Peço ao leitor, benevolente e amigo, que
encoste a porta e não acenda a luz, pois vou falar-lhe hoje de um escritor
proibido. Proibido apenas entre nós, em nome de uma cultura pequenina e
rasteira, que mal se vê porque não cresce e não cresce para que não se veja.
Falo de um notável escritor romeno, praticamente desconhecido pelos nossos
diligentes e apressados intelectuais, autor de um livro inesquecível e
verdadeiramente arrebatador: O Diário da Felicidade, de Nicolae
Steinhardt (1912-1989).
A felicidade, descobriu-a Nicolae
Steinhardt no seu lugar de origem, dentro de si mesmo, naquilo a que
Ollé-Laprune chamou as fontes da paz
intelectual, quando viajava de prisão em prisão, no universo
concentracionário romeno do período comunista. E relata-nos essa viagem, sem
rumo nem destino, em que nunca perdeu a dignidade, nem traiu companheiros, nem
amigos, nem guardou rancor, nem alimentou qualquer espírito de vingança. Num
diário escrito, naturalmente, a
posteriori, pois nunca lhe foi permitido o uso de papel e de lápis. Num
diário sem sequência cronológica, apenas de memória, mas de uma riqueza
cultural e humana verdadeiramente admirável.
É certo que não há uma norma para a
redacção de um diário, mas o livro de Nicolae Steinhardt é também uma autêntica
história da cultura em que se cruzam livros, escritores, poetas, músicos,
artistas, não só romenos mas de toda a cultura e que servem de tema e viva
discussão entre aqueles que habitam transitoriamente a mesma cela. Espantosa
cultura que o Autor revela e no-la transmite serenamente como se estivesse
ainda sentado na carcomida tarimba de uma triste e miserável prisão. Uma obra
digna e comovente, a que não faltam traços de fino humor, que a superior
personalidade do escritor romeno deixa por vezes escapar por entre um sorriso
maroto que lhe escorrega dos olhos e foge até nós por entre as grades da
própria cela.
Pois esta obra, meu caro leitor atento e
amigo, foi naturalmente apreendida e sofreu nova redacção, pacientemente
refeita pelo escritor romeno, de origem judia, que na prisão se converteu ao
Cristianismo, tendo recolhido mais tarde a um convento ortodoxo. Aí lhe
apreendeu a Securitate o manuscrito que, entretanto, já tinha sido enviado a
bom recato.
A sua publicação, em 1991, na Roménia,
obteve um êxito extraordinário com uma tiragem de 200.00 exemplares. Traduzido
imediatamente em várias línguas ( francês, italiano, hebraico, húngaro, grego,
castelhano, português (Brasil), inglês, etc. ) viu as suas edições esgotarem-se
rapidamente, tornando-se, obviamente, numa obra de referência da cultura romena
e ocidental. Nicolae Steinhardt pertenceu a uma geração de grandes intelectuais
romenos, bem conhecidos no Ocidente, como Constantin Noica, Mircea Eliade, Emil
Cioran, Eugen Ionesco, Vintila Horia, Virgil Bulat e tantos outros.
Entre nós, amigo comum, conseguiu há anos,
através do Instituto Cultural Romeno em Lisboa, obter do Mosteiro de Rohia, que
detinha os direitos de autor do escritor romeno, autorização para a publicação
da obra numa conhecida editora portuguesa. Mas o director da colecção a que se
destinava O Diário da Felicidade, um Importante de Melo, quando viu que
Nicolae Steinhardt era um escritor de superior cultura e, por isso e só por
isso, tinha sido vítima da perseguição comunista, recuou corajosamente. Ficámos, assim, sem uma edição portuguesa.
Resta, ao leitor interessado e amigo, a
edição brasileira, se a conseguir adquirir, pois está praticamente esgotada.
Aquando da sua edição, foi O Diário da Felicidade considerado o livro do
ano no Brasil. Naturalmente.
Unanimemente elogiado pela crítica internacional que nele viu uma verdadeira
obra-prima ou, no dizer do crítico romeno Dan Chelaru, “ um livro contemporâneo
de Deus”, foi, pelo Importante de Melo, proibido entre nós.
Assim vai a cultura em Portugal.
Prezado Senhor António LEite da Costa,
ResponderEliminarLamento a situação pelo senhor descrita da cultura em Portugal, mas, por outro lado, alegra-me poder informar-lhe que a edição de O Diário da Felicidade, de Steinhardt, não está de maneira nenhuma esgotada no Brasil, podendo ser facilmente adquirida ou na própria É Realizações http://www.erealizacoes.com.br/ecom/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=1205
ou na livraria Cultura http://pesquisa.livrariacultura.com.br/busca.php?q=O+di%C3%A1rio+da+felicidade&common_filter[Tipo+de+produto]=Livros
Também gostaria que o livro tivesse sido considerado o "livro do ano" aqui no Brasil, pela grande imprensa, mas não o foi, e sim por alguns poucos blogueiros atentos.
Att.
Elpídio Mário Dantas Fonseca, tradutor de O Diário da Felicidade para o português,
e-mail: elpidos@uol.com.br
Caro Senhor António L. Costa,
ResponderEliminarCompartilho abaixa a pequena recepção de "O Diário da Felicidade" no Brasil. Aproveito a oportunidade também para ressaltar que a mesma editora tem publicado obras de outros autores romenos, como Lucian Blaga, Constantin Noica, Andrei Plesu e, em breve, Gabriel Liiceanu e Horia Patapievici.
Resenha de "O Diário da Felicidade", na revista Dicta & Contradicta
http://erealizacoes.com.br/clipping/2010/Dicta-n5.pdf
Artigo sobre o livro “O Diário da Felicidade” de Nicolae Steinhardt , por Pe. José Artulino Besen
http://erealizacoes.com.br/clipping/2010/site_PeBesen-15-02-2010.pdf
Memórias de um mártir cristão no inferno do totalitarismo
Registro de sua passagem pelos porões da ditadura romena entre 1959 e 1964, diário ensina como sobreviver à opressão
O Estado de S. Paulo | Cultura - 16 de janeiro de 2010
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,memorias-de-um-martir-cristao-no-inferno-do-totalitarismo,496893,0.htm
O monge que achou a liberdade na prisão
Sai no Brasil O Diário da Felicidade, livro do pensador romeno Nicolae Steinhardt
Entrevista com o tradutor da obra (Elpídio Fonseca)
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-monge-que-achou-a-liberdade-na-prisao,496892,0.htm
Por fim, reproduzo também o link com a tradução de um ensaio de Andrei Plesu sobre a vida intelectual sob o regime comunista romeno, no qual ele também expressa admiração por Steinhardt, mas, sobretudo, por Noica. Se te interessar, confira: http://esbocoserascunhos.blogspot.com.br/2013/12/vida-intelectual-sob-ditadura_18.html
Meus caros Antônio, Elpídio e Wilian,
ResponderEliminarNo toma lá da cá da imbecilidade, Brasil e Portugal parecem partilhar de uma nova colonização que fariam chorar Adamastores e velhos do Restelho. Vão-se os Camões e ficam os Saramagos de uma nova ordem de ignorantes... Mas, pelo menos, por aqui, ainda sobre vivemos e a publicação de uma obra como o diário da felicidade entre nós é um marco e uma esperança...
Silvério Duque