Escrever sobre o silêncio é, de certo modo, um contra-senso. Menor, porém, do que falar. Porque escrever é muitas vezes refúgio de quem não quer comunicar com o próximo mas consigo mesmo, de quem não pretende dirigir-se a um público amontoado em praças repletas, mas conversar silenciosamente com o outro eu, livre de olhares indiscretos, de vozes discrepantes, de remoques grosseiros. De si para si. Sozinho e silenciosamente.
Porque pode
falar-se às multidões, indiferente ao arruído de fundo que lhes é peculiar. Mas
a comunicação entre dois seres, distintos ou indistintos, entre mim e o meu
amigo leitor, ou entre a minha inteligência e a minha vontade, o meu cérebro e
o meu coração, requer como condimento necessário e imprescindível o silêncio.
Superior silêncio, porquanto aos homens falta a única virtude que os animais
possuem: a de saber calar – ou não poder falar.
O psitacismo, a
verborreia, a eloquência fácil, a retórica pedante, as bolas de sabão
oratórias, a fraseologia rebuscada, as poses rococó, os discursos, as
conferências, as palestras. Palavras, palavras, sempre palavras. Que moem, que
cansam, que saturam. As mais das vezes, só palavras. Ocas e vazias, nada mais.
Mas o homem gosta. Porque vive, alimenta-se, nutre-se de palavras. Como do pão
e do vinho. E por isso só os doentes, os que estão de dieta, é que se alimentam
do silêncio. Muito embora o considerem iguaria de qualidade superior ou talvez
por isso mesmo.
E como encontrará
o homem o lugar onde mora o silêncio, para fugir ao palavreado constante e
inútil que continuamente lhe azucrina os ouvidos, lhe fere o cérebro, lhe viola
a inteligência? Esse local secreto de que falaram os antigos, foi visitado
pelos modernos e agora ninguém conhece nem faz tenção de conhecer. O silêncio não
tem moradia própria. Qualquer local lhe basta para reclinar sua cabeça e ouvir
nossas confidências. E quando menos se espera, encontramo-lo ao dobrar uma
esquina, ao subir para o autocarro, ao entrar em casa. De manhã. À tarde.
Durante a noite. Pois, quer queiramos quer não, o silêncio persegue-nos
continuamente, pedindo-nos para matar as palavras desnecessárias e improfícuas
que saem aos repelões de nossa boca, tantas vezes incapaz de se fechar, de se
calar, de colar os pedaços de saliva que uniram frases que talvez servissem
para desunir os homens.
Porque o silêncio
quer andar connosco, viver connosco, acompanhar-nos a todos os locais, sem
receio do incomodativo barulho das pessoas vulgares que, por medíocres, gostam
de se pavonear, de dar nas vistas, de chamar a atenção, até mesmo do sossegado
e calmo silêncio. É que o silêncio deve, por natural direito, habitar dentro de
nós. Não na periferia do nosso ser. Não na epiderme. Mas no cerne da alma, para
que nunca nos deixe. Não há maior desgraça do que ser o homem atacado de
psitacismo, transformando-se num simples e palrador papagaio, descendo, assim,
ao mesmo nível dos animais, mas julgando-se superior aos próprios deuses.
Quem melhor fala é
quem se cala, porque é o silêncio divino e é divina a sua linguagem. Deus fala
sempre em silêncio ou, se quiserdes, através do silêncio. Neste tempo de tanta
palavra lançada ao vento como pedra enraivecida, saibamos também nós, serena e
confiadamente, escutar o silêncio. Divino silêncio.
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