sábado, 16 de fevereiro de 2013

BIBLIOTERAPIA

                                                                    

     Dão-me licença que vos apresente o escritor colombiano Nicolás Gómez Dávila? Reuniu, durante anos, em Bogotá, na sua casa e na majestosa biblioteca de mais de 30.000 volumes, os seus amigos em agradável tertúlia dominical. A leitura atenta e inteligente que fazia das obras, muitas delas em versão original, transformaram-se, com o tempo, numa verdadeira biblioterapia. E dessas inúmeras e cuidadosas leituras deixou-nos, em jeito de sentenças, de máximas, de aforismos ou de escólios, uma obra única e imperdível: Escolios a un texto implícito.
     Infelizmente, nunca será publicada entre nós. Não pela sua extensão – 1407 páginas -, mas pela profunda riqueza do seu pensamento e a natural coragem com que, página a página, o afirma e confirma. Não é, como rapidamente se percebe ao lê-lo, um escritor politicamente cobarde a que o medroso vulgo chama agora politicamente correcto. Não creio, assim, que haja, hoje, editora que se abalance a editá-lo na nossa língua. Peço, por isso licença para o trazer aqui, ao nosso convívio. É que já faz parte da minha estante reservada e entra, pois, de direito próprio, nesta tertúlia invisível.
     As sentenças são reflexões breves, usadas na Idade Média, muitas vezes com carácter moralista. Em S. Martinho de Dume (séc. VI) nota-se influência de Séneca, temperada pela perspectiva cristã. Um bom exemplo: “ Não estejas sempre em acção. Deixa, às vezes, a tua alma repousar, sendo este descanso dedicado à busca da sabedoria e aos bons pensamentos”. As máximas, embora tenham idêntico significado e sabor latino, estão normalmente associadas ao moralista francês La Rochefoucauld, autor das Máximas (1665). No século seguinte, o nosso Matias Aires seguiu o mesmo trilho, embora colhendo a lição bíblica, com Reflexão sobre a Vaidade dos Homens (1752). De raiz grega é a palavra aforismo, que está sobretudo ligada, no século vinte, ao romeno E. Cioran, com a amargura e niilismo que lhe estão associados. Ou aos aforismos luminosos e profundamente cristãos do escritor francês Gustavo Thibon que foi, justamente, considerado, pela simplicidade e grandeza dos seus textos, o camponês filósofo.
     A palavra escólio, também ela de origem grega, significa comentário, necessariamente breve, que se põe na margem de um texto para melhor o explicar e compreender. Uma simples nota, mas de grande clareza e visão certeira. E porquê um texto implícito? O texto implícito é, no fundo, o texto ideal, completo, perfeito e acabado mas  apenas na nossa imaginação. Ainda não está explícito. É só implícito. Por enquanto. E daí estas pequenas achegas, estas simples notas, estes escólios. E que escólios, caríssimos amigos!
     Eis alguns, como mero aperitivo, pois é tempo de Quaresma:
     Um livro inteligente faz-nos sentir inteligentes, como uma marcha militar, heróicos.
     Credo ut inteligam. Traduzimos assim: creio para me tornar inteligente.
    Deus não pede submissão da inteligência, mas uma submissão inteligente.
     A religião não teve origem na necessidade de assegurar a solidariedade social, nem as catedrais foram construídas para fomentar o turismo.
     A verdadeira religião é monástica, ascética, autoritária, hierárquica.
     O cristianismo não inventou a noção de pecado, mas de perdão.
     A vulgaridade colonizou a Terra. As suas armas são a televisão, a rádio e a imprensa.
     O jornal recolhe o lixo do dia anterior para tomarmos o pequeno almoço com ele.
     Nem todo o professor é estúpido, mas todo o estúpido é professor.
     A boa educação parece um produto aromático do séc. XVIII que se evaporou.
     O progresso imbeciliza tanto o progressista que o torna incapaz de ver a imbecilidade do progresso.
     As hierarquias são celestes. No inferno são todos iguais.
     Não foi fácil descobrir este inolvidável escritor colombiano, que nasceu em Bogotá, a 18 de Maio de 1913 e nessa mesma cidade faleceu a 17 de Maio de 1994, mas, como diz no prefácio de esta obra Franco Volpi, o difícil, agora, é perdê-lo.

4 comentários:

  1. não, é uma mania e não uma terapia, dificilmente se conseguem ler 30 mil volumes uma vez, quanto mais voltar a lê-los até porque 90% é lixo curiosidades como as da interneta

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  2. é como o Papini tem cousas que se leêm bem desde gog a magog e cartas que são duma chatice atroz

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  3. Bela sugestão!
    Agora que estou a viver em Bogotá, vou procura-lo!
    Um abraço amigo
    Pedro Rapoula

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  4. Parabéns pelo seu blogue: constato que compartilhamos gostos literários.

    Quanto a Nicolás Gomez Dávila, trata-se de facto de um notável escritor, que pude descobrir já há uns anos por intermédio de um sacerdote católico colombiano. Tenho a felicidade de possuir a sua obra completa, na edição estojo editada pela Villegas, de Bogotá. Regresso a ela vezes sem conta, nunca me cansando e sempre descobrindo coisas novas.

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