Dão-me licença que vos apresente o escritor colombiano Nicolás Gómez Dávila? Reuniu, durante anos, em Bogotá, na sua casa e na majestosa biblioteca de mais de 30.000 volumes, os seus amigos em agradável tertúlia dominical. A leitura atenta e inteligente que fazia das obras, muitas delas em versão original, transformaram-se, com o tempo, numa verdadeira biblioterapia. E dessas inúmeras e cuidadosas leituras deixou-nos, em jeito de sentenças, de máximas, de aforismos ou de escólios, uma obra única e imperdível: Escolios a un texto implícito.
Infelizmente, nunca será publicada entre nós. Não pela sua extensão – 1407 páginas -, mas pela profunda riqueza do seu pensamento e a natural coragem com que, página a página, o afirma e confirma. Não é, como rapidamente se percebe ao lê-lo, um escritor politicamente cobarde a que o medroso vulgo chama agora politicamente correcto. Não creio, assim, que haja, hoje, editora que se abalance a editá-lo na nossa língua. Peço, por isso licença para o trazer aqui, ao nosso convívio. É que já faz parte da minha estante reservada e entra, pois, de direito próprio, nesta tertúlia invisível.
As sentenças são reflexões breves, usadas na Idade Média, muitas vezes com carácter moralista. Em S. Martinho de Dume (séc. VI) nota-se influência de Séneca, temperada pela perspectiva cristã. Um bom exemplo: “ Não estejas sempre em acção. Deixa, às vezes, a tua alma repousar, sendo este descanso dedicado à busca da sabedoria e aos bons pensamentos”. As máximas, embora tenham idêntico significado e sabor latino, estão normalmente associadas ao moralista francês La Rochefoucauld, autor das Máximas (1665). No século seguinte, o nosso Matias Aires seguiu o mesmo trilho, embora colhendo a lição bíblica, com Reflexão sobre a Vaidade dos Homens (1752). De raiz grega é a palavra aforismo, que está sobretudo ligada, no século vinte, ao romeno E. Cioran, com a amargura e niilismo que lhe estão associados. Ou aos aforismos luminosos e profundamente cristãos do escritor francês Gustavo Thibon que foi, justamente, considerado, pela simplicidade e grandeza dos seus textos, o camponês filósofo.
A palavra escólio, também ela de origem grega, significa comentário, necessariamente breve, que se põe na margem de um texto para melhor o explicar e compreender. Uma simples nota, mas de grande clareza e visão certeira. E porquê um texto implícito? O texto implícito é, no fundo, o texto ideal, completo, perfeito e acabado mas apenas na nossa imaginação. Ainda não está explícito. É só implícito. Por enquanto. E daí estas pequenas achegas, estas simples notas, estes escólios. E que escólios, caríssimos amigos!
Eis alguns, como mero aperitivo, pois é tempo de Quaresma:
Um livro inteligente faz-nos sentir inteligentes, como uma marcha militar, heróicos.
Credo ut inteligam. Traduzimos assim: creio para me tornar inteligente.
Deus não pede submissão da inteligência, mas uma submissão inteligente.
A religião não teve origem na necessidade de assegurar a solidariedade social, nem as catedrais foram construídas para fomentar o turismo.
A verdadeira religião é monástica, ascética, autoritária, hierárquica.
O cristianismo não inventou a noção de pecado, mas de perdão.
A vulgaridade colonizou a Terra. As suas armas são a televisão, a rádio e a imprensa.
O jornal recolhe o lixo do dia anterior para tomarmos o pequeno almoço com ele.
Nem todo o professor é estúpido, mas todo o estúpido é professor.
A boa educação parece um produto aromático do séc. XVIII que se evaporou.
As hierarquias são celestes. No inferno são todos iguais.
Não foi fácil descobrir este inolvidável escritor colombiano, que nasceu em Bogotá, a 18 de Maio de 1913 e nessa mesma cidade faleceu a 17 de Maio de 1994, mas, como diz no prefácio de esta obra Franco Volpi, o difícil, agora, é perdê-lo.
não, é uma mania e não uma terapia, dificilmente se conseguem ler 30 mil volumes uma vez, quanto mais voltar a lê-los até porque 90% é lixo curiosidades como as da interneta
ResponderEliminaré como o Papini tem cousas que se leêm bem desde gog a magog e cartas que são duma chatice atroz
ResponderEliminarBela sugestão!
ResponderEliminarAgora que estou a viver em Bogotá, vou procura-lo!
Um abraço amigo
Pedro Rapoula
Parabéns pelo seu blogue: constato que compartilhamos gostos literários.
ResponderEliminarQuanto a Nicolás Gomez Dávila, trata-se de facto de um notável escritor, que pude descobrir já há uns anos por intermédio de um sacerdote católico colombiano. Tenho a felicidade de possuir a sua obra completa, na edição estojo editada pela Villegas, de Bogotá. Regresso a ela vezes sem conta, nunca me cansando e sempre descobrindo coisas novas.